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Como se proteger das ofensas

Recebemos ofensas quase todos os dias, de graça, sem pedir, e é impossível fugir delas sem fugir da convivência social. Saiba como se fortalecer internamente para lidar e aprender com elas!

Quando começamos a enxergar os efeitos desastrosos que uma comunicação deficiente causa, é comum que surja o desejo de que todas as pessoas do mundo fossem mais cuidadosas com o poder da linguagem que elas detêm.

Ou seja, que elas parassem de ofender as pessoas de uma vez por todas, para que a paz se instalasse.

Mas nós vivemos no mundo real. E em grande parte dele, felizmente, todos temos o direito de expressar nossas opiniões e ideias. Inclusive as que podem desagradar outras pessoas.

A liberdade de expressão deve ser um direito de todos, até mesmo das pessoas com ideias que te incomodam muito. E que não medem o tom de voz e a forma de dizer.

Somos todos diferentes. Não só na aparência física, personalidade, preferências mas também em relação ao bom senso. O meu bom senso é diferente do seu, e o seu é diferente do outro. O que é óbvio para mim, pode não ser para o você.

O que é ofensa para uma pessoa, não é para a outra. Ofensas podem vir sem querer ou de propósito. Um dia você é ofensor, e no outro é ofendido.

Por isso, precisamos, além de fazer a nossa parte para melhor conviver em grupo e criar medidas para conter a violência, nos proteger dos ataques em forma de ofensas que certamente nos atingirão.

“Paz não é ausência de conflito. É administrar o conflito em paz.”

Desconhecido

 

Mas por que é tão importante que saibamos nos proteger?

  • Para continuar aprendendo e descobrindo juntos

Jessica Thomasson apresenta bons argumentos sobre por que temos que conseguir conviver com ideias contrárias, e com as ofensas. Não perca a chance de escutá-la!

(Ative as legendas em português)

Temos que nos proteger das ofensas para nos preservar legítimos como indivíduos, para nos manter com a mente sã.

Mas também para que não nos isolemos, no temor das ofensas que possam nos atingir.

Para continuarmos a nos expor a novas experiências, a conhecer novos lugares e novas pessoas, e possamos continuar aprendendo com elas.

Em um mundo em que a tecnologia favorece tanto o isolamento, é preciso um esforço consciente para que não terminemos escondidos atrás das redes sociais, sozinhos em nossos apartamentos com nossas ideias imutáveis.

O filósofo Heinrich von Kleist cita o provérbio francês “O apetite surge do comer”, e observa que é igualmente o caso de “As ideias surgem do falar”. Os melhores pensamentos, no ponto de vista dele, são quase impossíveis de entender quando emergem; o que mais importa é a conversa arriscada e emocionante como caldeirão de descobertas. 1

 

  • Para não se machucar tanto

Falar é arriscado, podemos sem querer ofender alguém, e sermos ofendidos. Mas é necessário nos expor aos riscos da vida.

“Não podemos criar um mundo em que todas as circunstâncias e todos os seres sejam e ajam de acordo com os nossos desejos.

A terra está cheia de pedras e espinhos e, à medida em que andamos por aí, certamente iremos bater nossos dedos em pontas afiadas. Então, o que faremos? Vamos atapetar o mundo inteiro para que tudo sob os nossos pés seja macio? Não é possível, nem mesmo com todo o dinheiro do mundo. Mas não há necessidade de ir a tal extremo. Necessitamos somente de um pedaço de couro sob as solas dos nossos pés em forma de sandálias ou sapatos e então poderemos caminhar em qualquer lugar.” 2

Mas como criar esse ‘pedaço de couro’? Como nos proteger das pedras e espinhos que encontraremos no caminho?

Como podemos nos proteger das ofensas?

  • Diferenciando Dano de Ofensa (Lou Marinoff) 3

“O que é dano?

Suponhamos que você esteja no metrô e alguém grande e pesado pise sem querer em seu pé. Suponhamos que seu pé fique bem machucado – talvez até com alguns ossinhos quebrados. Isto é um dano; ou seja, um ferimento físico em sua pessoa.

Agora, suponhamos que você precise de pés saudáveis para fazer seu trabalho; que seja, talvez, carteiro ou bailarino. Com o pé quebrado, estaria temporariamente impedido de ganhar a vida. Este é um dano colateral; ou seja, um obstáculo ao cumprimento de seus deveres e interesses normais, que só desaparece quando o dano desaparecer.

Se a pessoa que pisou no seu pé lhe pediu desculpas, com certeza você tem o poder de aceitá-las. Contudo, as desculpas e sua aceitação delas não revertem o dano causado ao seu pé ou o dano colateral à sua carreira.

De qualquer modo, um dano é causado ativamente a uma vítima não consentida que não tem possibilidade de aceitar nem de rejeitar o ato e que não concorda com ele. Ou seja, as vítimas de dano não buscam sofrer o dano. Se alguém tenta lhe causar dano, você pode ou não ser capaz de defender-se.

 

O que é Ofensa?

Agora suponhamos que você está no metrô, com pés saudáveis, e observa que um outro viajante fita os dedos que saem de sua sandália. Isso lhe parece um pouco estranho ou ameaçador (o olhar fixo é uma ameaça entre primatas adultos) ou, no mínimo, bem pouco educado, e assim, pergunta:

– O que você está olhando?

– Seus pés – vem a resposta. – São os pés mais feios que já vi; mal posso acreditar em meus olhos!

Você se sente provocado, zangado e irritado; experimenta mal-estar. Foi ofendido.

No entanto, não sofreu nenhum dano. Seus pés estão ótimos e também não houve dano colateral.  Pode continuar andando ou dançando, vivendo sua vida cotidiana, realizando o seu trabalho sem impedimentos.

Agora tenho uma novidade para você: os ofendidos têm um papel ativo ao serem ofendidos. A ofensa é meramente oferecida alguém, que deve então decidir se aceita ou não. Se alguém tenta ofendê-lo, você sempre tem a opção de recusar-se a se ofender, contanto que saiba como exercê-la. Não se pode ser ofendido sem seu próprio consentimento. (Mas pode-se sofrer dano sem consentimento próprio. Vê a diferença?)

Se alguém pede desculpas por olhar seus pés, você pode perdoá-lo e não se sentir insultado. E se a ofensa é oferecida mas não aceita, não há ofensa nem dano e nenhum mal estar.

É possível maximizar seu bem-estar recusando-se a se ofender, ou maximizar seu mal estar buscando a ofensa a cada passo.”

 

“O veneno só funciona se for bebido.”

 

  • Examinar as ofensas racionalmente

Somos emoção e razão

Nós somos seres sensíveis, emotivos. Sim, as ofensas afetam profundamente nossos sentimentos.

O sistema límbico é a região do cérebro responsável pelas emoções. Dentro do sistema límbico estão as amígdalas, que são os centros de comando que transmitem nossas reações emocionais ao cérebro. Uma reação instintiva de medo, por exemplo, estimula a liberação de hormônios como cortisol e adrenalina na corrente sanguínea para que o corpo entre em estado de alerta. Ocorre o aumento da frequência respiratória, da pressão arterial e dos batimentos cardíacos. 4

Queremos nos proteger! É assim que descemos do salto, reagimos de forma irracional, perdemos a razão.

Felizmente, a natureza é sábia.

A evolução nos muniu de mais uma estrutura, o neocórtex, cujos Lobos Frontais são responsáveis pelo nossa capacidade de raciocínio e planejamento. É onde ocorre a mediação das emoções, permitindo estruturar o caos e manter as amígdalas em controle. 4

Portanto, por mais que uma ofensa atinja nossos sentimentos de imediato, nós temos atributos que permitem a mediação dessas reações instintivas, sejam de autodefesa ou de ataque. É comum que fiquemos paralisados, tristes ou irados após alguém nos ofender, direta ou indiretamente. Mas dê um tempo para que o seu cérebro processe racionalmente suas emoções.

Converse consigo mesmo, reflita

Reflexão significa movimento de volta sobre si mesmo ou movimento de retorno a si mesmo. A reflexão é o movimento pelo qual o pensamento volta-se para si mesmo, interrogando a si mesmo. 5

Pensa que se ofendeu? Pense de novo. Questione-se sobre a ofensa que você está abraçando. Reflita, interrogue-se.

Refletir sobre a ofensa nos ajuda não só a nos proteger delas. Mas quem sabe, a aprender algo com elas também. Afinal, dizem que os olhos não são capazes de se enxergar.

Este é um trecho de uma palestra ministrada por Leandro Karnal, onde ele discorre e exemplifica construção de pensamentos para lidar com as ofensas.

A quem pertence a sua paz?

Leandro Karnal

Nós escolhemos a quem pertence a nossa paz. Muitas vezes a deixamos nas mãos dos outros, até mesmo de pessoas que nem mesmo conhecemos.

Escutar o que não é dito

A capacidade essencial na consciência social é a empatia – sentir o que os outros estão pensando e sentindo, sem que eles nos digam em palavras. Estamos continuamente recebendo sinais dos outros sobre seus sentimentos por meio do seu tom de voz, da expressão facial, dos gestos e numerosos outros canais não verbais. A empatia cognitiva é “eu sei como você vê as coisas; posso entender sua perspectiva.” 4

Neste trecho da palestra, Leandro Karnal se coloca na posição de receptor e de gerador de uma possível ofensa. E coloca exemplos de ambas situações sob o ponto de vista da empatia.

“O que me irrita revela muito sobre mim, e muito pouco sobre o outro.”

Leandro Karnal

Tentar entender as dores que o ofensor esteja sentindo é uma forma de lembrar que aquela ofensa mais pertence a quem te fez, do que a você mesmo.

“Recebi as palavras dele não como ataques, mas como presentes de outro ser humano que estava disposto a compartilhar comigo sua alma e suas profundas vulnerabilidades.”

Marshall Rosenberg

Marshall Rosenberg, criador da Comunicação Não Violenta, nos ensina a reformular a maneira pela qual nos expressamos e escutamos os outros. A ver as críticas, insultos e ofensas não como tais, mas como necessidades não atendidas da pessoa que as emite.Isso requer uma grande dose de empatia.

Assista o vídeo a seguir, onde Marshall discorre sobre as expressão de necessidades humanas (Ative as legendas em português):

Mas segue aqui uma importante ressalva sobre oferecer sua empatia a quem te ofende.

A capacidade de entender e sentir nossas próprias emoções é crítica para o entendimento e a empatia com as emoções dos outros. Sintonizarmo-nos com como estamos nos sentindo desempenha um papel central em como sentimos e entendemos o que qualquer outra pessoa está sentindo.4

É impossível dar algo a alguém se nós próprios não o temos. Precisamos de empatia para podermos dar empatia.6

A sociedade, o mundo, os bilhões de habitantes do planeta, nunca se encontrarão em um completo e permanente estado de paz. Em uma sociedade, as conquistas acontecem em meio a retrocessos. Mas isso não significa que deixamos de progredir. O mundo real nunca estará ‘resolvido’, e mesmo assim, temos que procurar viver da melhor maneira possível nele.

Enquanto são realizadas iniciativas de promoção de igualdade e contenção de todas as formas violência, podemos nos fortalecer e nos proteger das ofensas, para que estejamos aptos a contribuir para um mundo melhor.

 

Referências

  1. Turkle, Sherry. Reclaiming Conversation: the power of talk in a digital age. New York: Penguin Books, 2015.
  2. Marinoff, Lou. Pergunte a Platão – 6ª ed. – Rio de Janeiro: Record, 2008.
  3. Palmo, Jetsnunma Tenzin. No coração da vida: sabedoria e compaixão para o cotidiano. Rio de Janeiro: Lúcida Letra, 2014.
  4. Goleman, Daniel. O cérebro e a inteligência emocional: novas perspectivas. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012.
  5. Chaui, Marilena. Convite à filosofia. 13ª. São Paulo: Ática, 2003.
  6. Rosenberg, Marshall B. Comunicação não violenta: técnicas para aprimorar relacionamentos pessoais e profissionai. São Paulo: Ágora, 2006.
Reinaldo Duarte da Silva
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